Maria Helena Locks
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir a necessidade mais premente do ser humano na sociedade atual: a mediação na relação professor e aluno aluindo a essência de ambos, a sua subjetividade, a construção da identidade nessa relação com o outro. Considerando nesse processo a pessoa completa de Henry Wallon: cognição, afetividade e motricidade que aliadas vão constituir o ser humano e isoladas vão constituir aspectos vazios de significados.
Palavras Chave: mediação, construção da identidade, subjetividade.
INTRODUÇÃO
Numa sociedade capitalista, numa era em que a informatização, as máquinas das mais diversas potências substituem a mão de obra humana de forma avassaladora incrementa significativamente a estatística do desemprego, pela exigência de capacidades cada vez mais especializadas ou reducionistas, onde se coloca a depressão como o mal do século, é necessário pensar a educação voltada para o ser humano.
Empregadores buscam nos empregados qualidades subjetivas que resultem em qualidades objetivas: iniciativa, dinamismo, autonomia e autoria de pensamento, versatilidade além do conhecimento específico, que já não é suficiente.
Nesse contexto está inserida a educação, em todos os níveis. Da educação infantil ao nível superior, com os currículos das disciplinas correspondentes a cada etapa e responsáveis pelo cumprimento deles, os professores. Pedagogos ou não, experientes ou não, que independentes da sua formação profissional, são pessoas historicamente constituídas, constituindo-se ainda, também como profissionais.
Essa formação profissional não se dá descolada de um processo de constituição de si enquanto pessoa, enquanto identidade, onde possíveis influências de concepções educacionais vivenciadas ou com as quais tiveram contato não estão descartadas.
Coll (2004) afirma que a construção da identidade está intimamente ligada ao conhecimento do próprio corpo, de suas possibilidades e limitações e ao controle progressivo que se pode exercer sobre ele, o que sem dúvida se relaciona à crescente autonomia alcançada nos primeiros anos de vida. Do mesmo modo, a auto-estima que a criança professa também é uma interiorização daquilo que os outros lhe manifestam.
E que o entrosamento das experiências com os sentimentos gerados por elas contribui de forma decisiva na formação de uma imagem ligada à competência e ao sucesso social, ou a incapacidade e ao fracasso. A construção da imagem se dá paralelamente às atividades do cotidiano, no decorrer das interações sociais. Diz ainda que o avanço em nível cognitivo requer que a pessoa seja capaz de enfrentar problemas. Essa capacidade pode ser bloqueada pela insegurança, pelo temor ao fracasso, produzidos também pela negação dos seus valores, das suas próprias capacidades.
Este artigo vem colocar a mediação, a relação professor/aluno como parte imprescindível nesse processo.
AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO
O processo de mediação na relação do professor com o aluno sofre influencias de concepções ditas ultrapassadas. Ledo engano. Não raras são as manifestações injuriadas dos professores em curso de formação quando o palestrante vem com esse assunto. Não raras também são às vezes em que se ouve desses mesmos professores manifestações originadas nessas concepções, que segundo Oliveira (1992, p. 27), influenciaram a educação na forma como se encontra hoje. Pode-se partir de três concepções: inatista, ambientalista e interacionista.
Na concepção inatista, o desenvolvimento humano é determinado basicamente por fatores biológicos, ou seja, as características psicológicas, além das físicas seriam hereditárias, passando de pai para filho, o que faria com que irmãos, tivessem comportamentos muito parecidos, já que têm a mesma base genética. Na concepção inatista, já estariam determinadas as capacidades e qualidades de uma pessoa na época do nascimento, assim como as fases do desenvolvimento.
A influência dessa idéia inatista sobre as teorias e, conseqüentemente, sobre as práticas pedagógicas os professores passaram a reduzir a importância do seu trabalho, pois não há muito que fazer. Ditos populares atribuem a inteligência (ou a sua falta), à herança familiar. Ilustram essa concepção os ditos: “Pau que nasce torto morre torto” ou “Filho de peixe, peixinho é”.
Segundo a concepção ambientalista, a criança nasce sem características psicológicas pré-determinadas. Conforme descreve Oliveira, a criança seria, como uma massa de argila a ser modelada, estimulada, corrigida pelo meio. O desenvolvimento infantil seria assim um produto determinado basicamente pelo ambiente, segundo o ideal de comportamento que os membros de uma cultura têm. (OLIVEIRA, 1992, p. 29). Essa visão, no entanto, estimula a passividade frente a qualquer situação. A criança pequena vê o adulto como provedor de tudo aquilo que lhe falta. O adulto pode moldar seu caráter, seu comportamento e seus conhecimentos, pois dele depende todo o seu desenvolvimento.
Considerando as concepções inatista e ambientalista como indissociáveis, o interacionismo vem colocar o social e o biológico como influenciadores mútuos.
Na concepção interacionista, é relevante a ação da criança, que pode modificar o meio e ser transformada por ele, especialmente pela interação com o outro. Oliveira (1992, p. 30) ressalta que o adulto tem relevante papel como mediador na relação da criança com o meio. A criança, ao nascer, traz consigo significados simbólicos e afetivos. O desenvolvimento humano vai-se dar nessa rede de relações, nesse jogo e interações, onde diferentes papéis complementares são assumidos e atribuídos pelos e aos vários participantes (OLIVEIRA, 1992, p. 32).
A relação das concepções de educação, com o tema do presente artigo, se dá na medida em que há necessidade premente de que haja compreensão por parte dos professores sobre o que está intrínseco nelas, de uma possível relação existente entre a sua prática, o seu discurso e concepções que desfavorecem mediações para poder livrar-se, desvencilhar-se, oportunizando a si mesmo uma concepção mediadora, uma relação mais profícua com o aluno, para crescimento de ambos.
A TEORIA WALLONIANA
Entre as teorias interacionistas, que consideram a importância das relações da criança no seu meio, encontra-se a teoria walloniana, a qual dá relevância à emoção, à cognição, à motricidade, à contextualização da criança.
A teoria walloniana descreve a criança mergulhada no meio, desenvolvendo-se nele e através dele, aprendendo a conhecer-se, identificar-se, constituindo-se como um entre os outros num processo de aprendizagem contínuo.
Pontua conceitos, princípios, como possibilidades para pensar o processo de constituição do individuo considerando como pessoa completa. Em Mahoney (2004), a infância é tomada, segundo uma perspectiva funcional, isto é, como um período claramente diferenciado, com necessidades e características próprias, e cuja função primordial é a constituição do adulto. Quanto mais a sociedade investir na infância, melhores condições garantirá para a constituição do adulto.
Neste sentido, é possível entender que o processo de mediação na relação do professor com o aluno é a chave para a constituição de pessoas com características subjetivas significativamente prospectivas para uma sociedade mais digna de ser humano (não do ser humano).
A teoria propõe, ao contrário, o estudo integral do desenvolvimento (cognitivo, motor e afetivo). Para Wallon, é necessário considerar o contexto em que a criança se insere, as suas relações, os recursos de que pode dispor. A afetividade, o ato motor, a inteligência são campos funcionais onde se distribui a atividade.
Há que se pensar, que não apenas a criança, mas todo e qualquer aluno ou professor é assim constituído, como pessoa completa, o que remete a teoria a toda a educação, em qualquer nível, já que ele coloca o outro como parceiro perpétuo na constituição da pessoa.
Henry Wallon considera em seus estudos a pessoa completa. Cada aspecto da pessoa integra as dimensões motora, afetiva e cognitiva, sendo que cada uma dessas dimensões contribui para a constituição da pessoa. A acolhida do meio confere significado a essas manifestações e as transforma em meios de expressão.
Segundo Galvão (1995, p. 98), a teoria walloniana considera que os recursos cognitivos ampliam as possibilidades do eu, mas não os coloca como meta máxima e exclusiva da educação, mas sim como um meio para o maior desenvolvimento da pessoa, pois “a inteligência tem status de parte no todo constituído da pessoa.”
O desenvolvimento intelectual propicia selecionar informações, comparar, definir, conceituar e explicar, relacionar tempo e espaço e causalidade, auxilia na linguagem, na memória, na atenção voluntária, na imaginação e na solução de problemas. Amaral (apud MAHONEY E ALMEIDA, 2004).
O PROFESSOR
Embora Henry Wallon não se proponha a uma teoria pedagógica, o seu contato e a sua preocupação com a educação levaram-no a organizar artigos sobre essa área, a partir dos quais contribui para a prática do professor.
Como dito antes, Wallon (1986) considera a criança como pessoa completa, sendo as suas dimensões indissociáveis. Portanto, o fazer do professor deve atingir os aspectos cognitivo, motor e afetivo, promovendo o desenvolvimento, sendo que ao priorizar uma dimensão está modificando as outras.
As dimensões se nutrem reciprocamente e o professor fundamenta-se no fato de que a conquista na dimensão afetiva repercute na dimensão cognitiva pois há intima relação entre emoção e cognição, as quais são condicionantes entre si (MAHONEY, 2004). E essa interação deve ser considerada pelo professor ao planejar e organizar o ambiente.
O professor poderá perceber na criança, indicadores do processo que ele está oferecendo, o movimento das crianças pode indicar o inicio e os meios que lhes proporcionem melhor desenvolvimento.
O professor é mediador entre a criança e o conhecimento e aproveita o clima afetivo na rotina para provocar o interesse e a criança deve reconhecerá um parceiro e não um cobrador, pois a criança precisa justamente de um mestre, para ajudá-la a utilizar-se dos seus próprios recursos.
Atento às situações, o professor dá significado às elaborações das interlocuções entre crianças, potencializando o aprendizado fundamentando sua ação pedagógica em valores éticos e humanísticos e tendo muito claros seus princípios e objetivos, além da técnica e do conhecimento.
Segundo Mahoney (2004), Wallon, não camufla o conflito; aproveita-o para conhecer o grupo. O ponto de partida para o professor deve ser a atividade da criança.
Ampliando esse pensamento pode-se reportar ao professor orientador das monografias e dissertações como tendo compromisso semelhante, dando significado, confiança, aprendizado, conhecimento ao professor prestes a graduar-se.
A observação apura o olhar, não só do professor em relação ao seu aluno, mas em relação a si próprio. Na medida em que percebe o desenvolvimento do aluno, o seu jeito na sala de aula, o seu interesse/desinteresse por certos tópicos, o ritmo do grupo com/sem sua presença, o mal/bem-estar do aluno em certos momentos da aula, o professor está revendo seu próprio papel de professor (MAHONEY, 2000).
Observando o grupo, o movimento da criança dentro dele, os papéis que assume, favoráveis ou desfavoráveis para o desenvolvimento positivo, o professor dá significado às situações, explorando valores incutidos, desenvolvendo a consciência da criança nessas relações. Pode promover a inclusão e a participação contribuindo para os padrões internos de pertencimento, participação e inclusão (MAHONEY, 2004).
Ao discutir a importância do movimento para a criança, Wallon (1979) ressalta que o professor deve compreender que a criança imobilizada está em condições adversas ao processo de aprendizagem. E ele pode planejar com base nessas considerações, assim como nas condições maturacionais e nas necessidades orgânicas, estruturais e funcionais. O professor pode então oferecer situações que permitam representar a emoção, permitam o movimento para liberar a tensão, intercalar momentos de maior e menor concentração.
Conhecedor das próprias capacidades e dos próprios limites, o professor será capaz de perceber suas necessidades quando em dificuldades, podendo recorrer ao outro para aprimorar a sua prática.
Mas esta já é uma questão subjetiva que dificilmente se aprende, ou se prega. Ainda é presente nas salas de aula frases que desestimulam essa prática: “faça o teu desenho, deixa que o fulano faça o dele”; “agora não é hora de conversa, é para fazer o que a gente combinou, cada um vai fazer o seu”; e a gente vai aprendendo a fazer sozinho, sem mediação, nem do colega, nem do professor, incorporando o individualismo.
Almeida (apud MAHONEY, 2000) diz que, se entendermos que a teoria serve de instrumento ao pensamento, aprimora o olhar e ajuda a interpretar o ser, nosso diálogo com ela será fecundo e seu autor poderá se tornar para nós o professor, um outro significativo e um referente para nossa ação.
O papel do professor é também de organizador de um ambiente acolhedor, atrativo, propiciador de atividades significativas, numa demonstração de percepção da criança, a sala de aula tem que ser uma oficina de convivência, e o professor um profissional das relações. Este é um imperativo da sua prática. Além disso, queira ou não, ele é um modelo para o aluno e como tal será imitado em suas atividades em suas características, em seu entusiasmo.
Ensina-nos Wallon (1979) que, as conquistas do aluno se dão no plano cognitivo, afetivo e motor. Ensina‑nos também que a afetividade se refere a forma como afeto e sou afetado pelo mundo que me cerca, e que a afetividade – emoção, sentimentos, paixão – tem função impulsionadora como inibidora da aprendizagem. Dessa sorte, ao desenvolver os seus vários papéis –planejador, orientador e avaliador – o professor está interferindo de forma profunda na configuração da pessoa do aluno.
A dimensão cognitiva na psicogenética de Wallon, transfere conceitos ou pré‑conceitos de sua importância pensada isoladamente para o todo da pessoa e, a partir disso, a criança não será mais, vista como antes.
Pensar o outro como um companheiro perpétuo do eu na vida psíquica (WALLON, 1979) remete à reflexão sobre o próprio eu, e sobre os “outros”, conferindo na realidade, a teoria. Desse modo deve-se perceber o professor como um dos “outros” na vida da criança sob sua responsabilidade.
Segundo Wallon ”Ser professor” é algo que se constrói, que se forma, que se desenvolve e, portanto, não é uma estrutura pronta, fechada e imutável dada a priori para determinados indivíduos”.
CONCLUSÃO
A partir do exposto, pode-se pensar mais a prática pedagógica a partir da pessoa, do que a partir do conteúdo. Está posto que alcançar sucesso na cognição está intimamente relacionado a constituição de si, independente da vontade ou da consciência do professor para essa questão.
A sociedade atual cobra com veemência, atitude, iniciativa, dinamismo, independência, autonomia, criatividade, expressões do eu de cada um. Essa cobrança acontece para a pessoa que limpa o chão, assim como para o alto executivo. A escola pode ser um lugar com todas as possibilidades para o desenvolvimento dessas capacidades.
A cultura da falta, falta estrutura, falta papel, falta lápis, falta isso, falta aquilo, não isenta da falta do compromisso com o ser humano, ser entendido como verbo, que lhe dá características subjetivas. Características estas, desenvolvidas a partir do processo de mediação na relação professor/aluno, seja qual for a instância.
BIBLIOGRAFIA
COLL, C.; MARTÍN, E. Aprender conteúdos e desenvolver capacidades. Porto Alegre: Artmed, 2004.
GALVÃO, I. Henry Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 1995.
MAHONEY, A. A. A constituição da pessoa na proposta de Henry Wallon. São Paulo: Loyola, 2004.
MAHONEY, A. A; ALMEIDA L. R. (org.). Henry Wallon: psicologia e educação. São Paulo: Loyola, 2000.
OLIVEIRA, Z. R. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
WALLON, H. Psicologia e educação da criança. Lisboa: Veja, 1979.
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